Série da Netflix sobre crime entre adolescentes inspira reflexão sobre saúde emocional

Série da Netflix sobre crime entre adolescentes inspira reflexão sobre saúde emocional
Foto: Imagem Ilustrativa/Divulgação

A série “Adolescência”, da Netflix, que retrata o caso de um jovem de 13 anos que é suspeito de atacar uma colega de escola, tem provocado um debate urgente sobre os fatores que cercam o desenvolvimento emocional dos adolescentes.

Para entender as camadas por trás de atos extremos como esse, o psicólogo humanista e professor da Estácio, Nelson Junior Cardoso da Silva, traz uma análise profunda sobre as influências familiares, sociais, neurológicas e emocionais que podem impactar diretamente o comportamento juvenil.

“Fatores como exclusão social, bullying, ausência de vínculos afetivos, negligência familiar e transtornos mentais, diagnosticados ou não, podem se combinar e impulsionar comportamentos violentos”, explica o especialista. Segundo ele, a estrutura cerebral do adolescente também é um ponto crítico. “O cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento, principalmente a região do córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle de impulsos e julgamento. Isso pode tornar suas reações muito mais impulsivas e emocionais.”

Nelson destaca ainda que há sinais de alerta que não devem ser ignorados. “Isolamento social repentino, queda no rendimento escolar, fascínio por armas ou por objetos perigosos, manifestações de ódio, crueldade com colegas ou animais, desenhos e textos com conteúdo mórbido ou agressivo são indícios importantes”, afirma. “Esses sinais precisam ser percebidos por pais, professores e colegas antes que o comportamento violento se manifeste de forma mais grave.”

Outro ponto de atenção apontado pelo psicólogo é o impacto das redes sociais na vida dos adolescentes, especialmente os que já estão emocionalmente fragilizados. “Muitos jovens que se sentem rejeitados e solitários acabam buscando acolhimento em comunidades virtuais. O problema é que algumas dessas comunidades oferecem esse ‘acolhimento’ de forma distorcida, validando ideias de ódio, auto destruição e vingança. São espaços que, muitas vezes, incentivam comportamentos violentos e normalizam a dor emocional como justificativa para agredir ou revidar contra o mundo.”

Ele alerta para os sinais de que um jovem pode estar sendo influenciado por essas comunidades: mudanças repentinas no vocabulário, engajamento excessivo com perfis de conteúdo problemático, abandono de amizades saudáveis e resistência ao diálogo com adultos são alguns deles.

A relação familiar também desempenha um papel fundamental na prevenção. “Quando não há um canal aberto de diálogo, o adolescente tende a internalizar sentimentos negativos como raiva, tristeza e frustração. Sem um espaço saudável para expressar essas emoções, o sofrimento pode se transformar em distanciamento emocional, comportamentos de risco, automutilação e até explosões de agressividade”, explica Nelson. “Famílias estruturadas, com afeto, limites claros e adultos emocionalmente disponíveis, são um fator essencial de proteção.”

No contexto escolar, o psicólogo defende a inclusão da educação emocional como estratégia para evitar comportamentos violentos. “A escola pode e deve ser um espaço que promove empatia, escuta, validação de sentimentos e desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Meninos, especialmente, precisam ser encorajados a reconhecer e expressar suas emoções, a dar nome ao que sentem, a desenvolver comunicação e ter modelos masculinos afetivos e positivos.”

Nelson também aborda a influência da chamada masculinidade tóxica, que, segundo ele, contribui para a repressão emocional dos meninos. “Essa ideia de que expressar tristeza ou medo é sinal de fraqueza ensina muitos adolescentes a suprimir seus sentimentos. O resultado pode ser comportamento agressivo, insensibilidade e autodestruição. A raiva, socialmente aceita como masculina, acaba sendo o canal emocional predominante, o que é muito perigoso.”

Quando o tema chega ao sistema de justiça juvenil, ele critica a forma como os adolescentes que cometem crimes graves são tratados. “Muitos países buscam equilibrar a responsabilização com medidas socioeducativas e suporte psicológico. Mas, na prática, o que vemos é uma carência de acompanhamento terapêutico. Esses jovens muitas vezes são tratados apenas como criminosos, sem atenção ao sofrimento emocional e ao contexto de vida que os levou até aquele ponto.”

Por fim, Nelson ressalta o impacto coletivo que um evento violento pode causar dentro de uma comunidade escolar.

“Colegas da vítima podem desenvolver medo, insegurança, ansiedade extrema. Já os colegas do autor podem sentir culpa, confusão, até estigmatização. É essencial que a escola ofereça apoio psicológico e espaços seguros para que esses adolescentes possam expressar o que sentem, compreender o ocorrido e elaborar suas emoções. Ações restaurativas são fundamentais para reconstruir o tecido emocional da comunidade afetada.”




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