
O mês de agosto carrega um símbolo poderoso: o laço lilás. Ele representa a luta contra a violência doméstica e familiar, em uma campanha nacional que busca dar visibilidade a uma realidade alarmante e, muitas vezes, silenciada. O chamado Agosto Lilás ganha fôlego a cada ano, mas os números continuam a gritar por atenção.
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Dados divulgados recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 1.492 mulheres foram assassinadas em 2024 apenas por serem mulheres. Em 70% dos casos, os autores foram seus companheiros ou ex-companheiros. Também já ultrapassamos, somente este ano, a marca de um milhão de denúncias de violência doméstica.
Mas esses números estão longe de mostrar o todo. Muitos feminicídios ainda não são corretamente tipificados como tal, e milhares de mulheres seguem sem denunciar seus agressores. O medo, a descrença na Justiça, o vínculo emocional com o agressor e, principalmente, a dificuldade de reconhecer as violências sutis — as chamadas microviolências — contribuem para esse silêncio.
“A violência contra a mulher está enraizada em um modelo social que normaliza o controle e a dominação masculinas. É um sistema que ensina desde cedo que o homem tem autoridade e que a mulher deve se submeter”, afirma a psicóloga clínica Luanna Debs.
“O machismo não começa com o tapa. Ele começa nas palavras, nas piadas, na tentativa de deslegitimar o que a mulher sente ou pensa.”
De acordo com a psicóloga, o enfrentamento à violência precisa ultrapassar o simbolismo do mês de agosto. “Não basta apenas denunciar os casos mais graves. Precisamos nomear o que acontece antes disso. Quando uma mulher é controlada financeiramente, quando é desmoralizada, silenciada, manipulada, isso já é violência. E se não for interrompida, pode chegar ao feminicídio”, alerta Luanna Debs.
O cerne da questão, segundo especialistas, está no que se convencionou chamar de machismo estrutural — um sistema cultural que molda a maneira como homens e mulheres se relacionam e ocupam espaços sociais. “Às mulheres, é atribuída a função de cuidar, de servir, de se calar. E Aos homens, a permissão para dominar, corrigir e controlar para obter das mulheres essa servidão e cuidado. Essa lógica precisa ser quebrada com informação e educação”, reforça Luanna.
A campanha Agosto Lilás, apesar de simbólica, tem o papel de despertar a sociedade para uma pauta que deveria ser permanente. É necessário que o debate sobre violência contra a mulher esteja presente nas escolas, nas famílias, nas empresas, nas políticas públicas e no sistema de justiça — não apenas durante um mês do ano.
Para transformar essa realidade, especialistas defendem seis frentes principais:
– Conscientização contínua de homens e mulheres sobre as múltiplas formas de violência;
– Nomeação e combate às microviolências;
– Acolhimento e apoio psicológico às vítimas;
– Incentivo à denúncia;
– Cobrança de políticas públicas eficazes de prevenção e proteção;
Promoção da autonomia das mulheres.
“Autonomia não é luxo, é sobrevivência”, conclui Luanna Debs. “Sem acesso à informação, a violência é naturalizada. Sem autonomia — seja emocional, psicológica, financeira ou social —, muitas mulheres não conseguem sair de relações abusivas. É essa conscientização de homens e mulheres, junto com a construção da autonomia que salva vidas.”
O Agosto Lilás, portanto, não é apenas um alerta. É um pedido de urgência. É um apelo para que a luta das mulheres pela dignidade e pela vida não seja lembrada apenas quando a cor lilás ganha destaque ou quando uma mulher perde a vida física. É um chamado para que essa luta nunca mais saia de cena.