A estudante do curso de Farmácia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Milena dos Santos Almeida é coautora de uma pesquisa publicada na revista científica Nature.
O estudo Dissociable hindbrain GLP1R circuits for satiety and aversion, ou Circuitos GLP1R dissociáveis do tronco encefálico para saciedade e aversão em português, investigou regiões do cérebro ligadas à saciedade e à aversão alimentar e revelou que estas áreas possuem funções separáveis na aplicação de fármacos.
A descoberta implica na possibilidade de desenvolvimento de novos medicamentos mais seguros e eficazes para a perda de peso, livres de sensação de náusea e vômito, efeitos colaterais comuns de remédios disponibilizados atualmente pela indústria farmacêutica, como Ozempic e Wegovy.
A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório Alhadeff, coordenado pela professora Amber Alhadeff, no Monell Chemical Senses Center da Upenn (Universidade da Pensilvânia), nos Estados Unidos, e contou com a colaboração da professora Alice Adriaenssens da UCL (University College of London), de Londres, na Inglaterra.
Segundo Milena, o estudo partiu da discussão do uso de fármacos para a perda de peso que utilizam semaglutida, uma substância sintética análoga ao peptídeo semelhante ao glucagon (GLP1), um hormônio produzido pelo intestino que, dentre diversos efeitos fisiológicos, é responsável por sinalizar ao cérebro que estamos alimentados, reduzindo o apetite e aumentando a sensação de saciedade.
“Se sabe que no cérebro há regiões com bastante concentração de receptores para o GLP1, que foram centrais para o nosso estudo, como o tronco encefálico, que é uma região mais posterior do cérebro, e o hipotálamo, que fica na porção mais central. Essas regiões estão muito envolvidas na questão da regulação da ingestão alimentar, no balanço entre a fome e a saciedade”, explica Milena.
Medicamentos como Ozempic, Wegovy e outros produzidos atualmente pela indústria farmacêutica para perda de peso que utilizam a semaglutida possuem efeitos adversos frequentes, como náusea e vômito. Assim, a partir da identificação das regiões do cérebro com maior concentração de receptores de GLP1, os pesquisadores realizaram experimentos para concluir em qual região a semaglutida possuía maior ação farmacológica, buscando filtrar e separar os efeitos de saciedade e de náusea produzidos no cérebro pelos medicamentos.
Experimentações
Com experimentação em camundongos, foi observado que, ao inativar os neurônios no tronco encefálico, por meio de métodos cirúrgicos e químicos, a aplicação do GLP1 não alterava o comportamento alimentar dos animais, que comiam regularmente. Porém, ao aplicar a substância no hipotálamo inativado, os animais comiam menos.
“Com isso, concluímos que a região essencial em termos de efeito farmacológico para a questão do controle da saciedade é a região mais posterior, o tronco encefálico, porque, quando inativamos aqueles neurônios em específico, o efeito terapêutico foi perdido. Mas quando inativamos os neurônios do hipotálamo, o efeito permaneceu, o que significa que ele não possui uma função essencial neste caso”, esclarece Milena.
A possibilidade de reprodução dos resultados em seres humanos e desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento de condições relativas ao peso, como obesidade, é baseada na similaridade genética entre humanos e camundongos, que possuem cerca de 80% de genes em comum, além de apresentarem necessidades básicas semelhantes, fazendo com que o mecanismo cerebral que comanda estes comportamentos sejam próximos.
A etapa de análise dos comportamentos dos camundongos foi o foco do trabalho de Milena no estudo. Em suas atividades, a estudante de 24 anos exerceu a função de research technician (técnica de pesquisa), realizando experimentos principalmente na área de comportamento alimentar, que estuda a relação do consumo e da ingestão de alimentos com os aspectos comportamentais e psicológicos dos camundongos.
Nesta etapa, os testes de taste reactivity, ou reatividade gustativa, foram o principal enfoque de Milena, sendo realizados conjuntamente às análises de atividade cerebral dos animais.
Após a finalização, o artigo foi enviado em 18 de março de 2023 à Nature, passou por revisões e foi aceito mais de um ano depois, em 6 de junho de 2024, quando Milena já estava de volta à Florianópolis.
A ida da jovem aos Estados Unidos ocorreu após a estudante, interessada em realizar estudos e pesquisas no exterior, contatar a professora Amber Alhadeff por e-mail em 2021. Depois de conversas e entrevistas, a gaúcha de Vacaria foi convidada a integrar a equipe do laboratório por um ano, a partir do final de 2022.
Dentre o que tornou possível a oportunidade, Milena destaca sua experiência na área de pesquisa laboratorial que, segundo ela, deve-se muito à sua trajetória no LIDoC (Laboratório de Investigação de Doenças Crônicas), do CCB (Centro de Ciências Biológicas) da UFSC, onde foi bolsista do Pibic (Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) por três anos, desde o início de sua graduação, e agora atua como voluntária.
“O LIDoC foi muito importante para a experiência que tive ter sido tão positiva. Foi ele que me preparou para eu conseguir ter essa oportunidade”, conta.